Se você é daqueles que busca ter contato com idéias inovadoras e pensadores que desafiam o senso comum, é bem provável que em algum momento já tenha se deparado com um dos inúmeros vídeos do acervo do TED.
Esse projeto mundial, sem fins lucrativos, é um verdadeiro fenômeno na internet. Com o objetivo de disseminar idéias que “merecem ser espalhadas”, bem como “mudar atitudes, vidas e ultimamente o mundo” o TED já disponibilizou, de maneira totalmente gratuita, mais de 1.400 conferências sobre as mais diversas áreas do conhecimento.
Considerando que por lá já passaram personalidades influentes como Bill Gates, Stephen Hawking e Al Gore, e que seus vídeos já registraram mais de um bilhão de acessos mundo afora, é possível afirmar, sem grandes dificuldades, que o projeto vai muito bem, obrigado. E é certo que assim o seria, não fosse um infeliz episódio, ocorrido na semana passada, que vem gerando repercussão notadamente negativa em sua base de usuários: a exclusão de dois vídeos do acervo por - adivinhe! - “motivos científicos”.
Tratam-se das conferências promovidas pelo bioquímico inglês Rupert Sheldrake e pelo autor e jornalista britânico Graham Hancock, realizadas em um evento londrino do TEDx1 que teve como tema “Desafiando Paradigmas Existentes”. Pois é, o tema é esse mesmo, e foi justamente por seguí-lo à risca que os conferencistas citados foram não só taxados de pseudo-cientistas, mas tiveram suas falas excluídas do acervo da organização, em uma verdadeira lição de incoerência.
O episódio teve início quando dois blogueiros americanos denunciaram, com base em alegados "erros factuais", o conteúdo das conferências à moderação do TED e exigiram suas respectivas exclusões. Em resposta, os editores fizeram uma espécie de consulta pública, que ficou no ar por três dias e pode ser lida aqui.
A consulta gerou centenas de comentários e um debate relativamente interessante, embora não muito distinto daquele que geralmente se dá entre os proponentes e críticos das pesquisas em parapsicologia2. Embora a maioria dos comentaristas tenham se manifestado a favor da manutenção dos vídeos no canal, e vários dos principais pontos que levaram à exclusão terem sido exaustivamente refutados, inclusive mediante resposta dos próprios conferencistas, o conselho científico manifestou-se pela imediata exclusão do material:
“Depois de um levantamento cuidadoso, que incluiu pesquisas científicas publicados e recomendações de nosso Conselho Científico e nossa comunidade, nós decidimos que as conferências de Graham Hancock e Rupert Sheldrake, proferidas no TEDxWhitechapel, devem ser removidas do canal do TEDx no Youtube”.
Em tese, os vídeos não seriam apagados, mas transferidos para uma parte obscura do site da instituição, aonde poderiam ser “enquadrados para mostrar tanto as idéias quanto os problemas factuais dos argumentos apresentados” (sic). Uma nova discussão teve então início e, em pouco mais de dois dias, cerca de quinhentos comentários inundaram o sítio do TED, a maioria em franco repúdio à atitude da organização.
No mais recente capítulo dessa grande confusão, a organização do TED, em visível modo crisis menagement, retratou-se de parte das críticas e apresentou um terceiro comunicado (disponível aqui), no qual sintetiza o ocorrido, dá uma visão levemente mais ponderada dos motivos que os levaram a optar pela transferência dos vídeos e pela moderação de seu conteúdo e, novamente, chama o público ao debate. Eles afirmam:
“Tanto Sheldrake como Hancock são palestrantes envolventes, e algumas das questões levantadas certamente mecerem ser citadas. Por exemplo, a maioria dos cientistas e filósofos da ciência concordarão que é verdade que a ciência não avançou muito na resolução do mistério da consciência. Mas as respostas específicas propostas por Sheldrake e Hancock são tão radicais e distantes do pensamento científico dominante que achamos melhor atribuir a elas um claro aviso e trazer novos questionamentos aos palestrantes. (...)
Nós consideramos que uma conversa calma e embasada na razão pode ser interessante, nem que seja para nos ajudar a definir quão longe podemos explorar uma idéia até que ela não mais “mereça ser espalhada”.
De minha parte, considero que discussões como essas são, mais do que sadias, necessárias. Na construção do conhecimento científico, assim como em qualquer outra esfera do conhecimento, há espaço para pensamentos divergentes e questionadores. Vale lembrar que a própria metodologia da ciência pressupõe o constante questionamento se suas bases.
Nesse sentido, creio que Sheldrake está correto quando defende uma ciência coerente com suas próprias fundações. E o fato da equipe de curadoria do TED ter removido sua fala, proferida em um evento que se propunha justamente a questionar os paradigmas dominantes, ilustra muito bem – talvez ainda melhor do que qualquer exemplo de seu livro – seu argumento central: que parte considerável da ciência, da forma como é praticada hoje, se mostra não só dogmática, mas avessa ao mais fundamental debate.
As conferências "removidas" podem ser acessadas aqui (Sheldrake) e aqui (Hancock).
As conferências "removidas" podem ser acessadas aqui (Sheldrake) e aqui (Hancock).
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1. TEDx é o nome dado a eventos independentes, organizados por indivíduos ou comunidades, voltados ao público local. Eventos do TEDx ocorrem no Brasil desde 2009, e já passaram por locais como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília e Fortaleza.
2. Além, é claro, dos periódicos científicos e congressos especializados, grande parte das discussões atuais entre proponentes e céticos da fenomenologia psi se dá nos fóruns do mind-energy.net, um site criado para despertar o interesse público pelo tema e suas relativas aplicações.
Pois, é Gustavo. Mesmo sendo independente, criados por pessoas que vêem novas possibilidades, ainda há um controle sobre o que pode ou não ser falado e veículado, um contra senso. Entretanto, ainda bem, há outros caminhos para que as informações cheguem às pessoas e é bacana você postar aqui no seu blog. O Graham Hancock tá vindo para o Brasil para uma série de palestras e vamos ver o que ele vai apresentar que, com certeza, será bem interessante! Valeu!
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