8 de fevereiro de 2013

Médicos brasileiros estudam a neurofisiologia da mediunidade


No final do ano passado, os brasileiros Júlio Fernando Peres (Universidade da Pensilvânia), Alexandre Moreira Almeida  (Universidade Federal de Juiz de Fora) e Frederico Leão (Universidade de São Paulo) publicaram os resultados daquela que é considerada a primeira investigação neurocientífica do transe mediúnico já realizada. 

A pesquisa enfoca a chamada psicografia, uma das formas de mediunidade através da qual, alegadamente, uma “entidade espiritual” escreve através das mãos de um indivíduo, popularmente chamado de “médium”. 

No estudo, os cientistas brasileiros tentaram avaliar se o estado dissociativo causado pelo transe mediúnico está associado a alterações específicas de atividade cerebral, diferentes daquelas encontradas durante o processo normal de escrita. 

Para isso examinaram dez médiuns psicógrafos brasileiros, cujas experiência variam de 15 a 47 anos de prática e que produzem de 2 a 18 textos psicografados a cada mês. Todos eles se encontravam em boa saúde mental – foram investigados através de diversos inventários médicos, que avaliam desde sintomas de depressão e ansiedade à traços de personalidade borderline – e foram considerados bem ajustados social e profissionalmente. 

Os médiuns foram divididos em dois grupos: psicógrafos “experientes”, composto por praticantes com maior tempo de exercício na atividade e maior quantidade de textos produzidos; e “menos experientes”, que praticam a escrita psicográfica há um período menor e produzem poucos textos por mês. Durante um período de dez dias, cada um deles foi submetido, em ordem aleatória, a tarefas ora de psicografia (escrita automática, em estado de transe), ora de escrita normal (tarefa-controle). Durante esses períodos, suas atividades cerebrais foram monitoradas por meio de neuroimagem, obtida através de um exame conhecido como tomografia por emissão de pósitrons. 

Os textos redigidos durante o experimento – tanto em condições normais quanto em estado de transe mediúnico – foram posteriormente enviados para análise de uma especialista em língua e literatura, que averigou critérios gramáticos e estilísticos, e atribuiu a cada texto notas de 1 (pobre) a 4 (muito bom).

O primeiro e interessante aspecto observado pelos investigadores foi que os textos redigidos sob influência mediúnica mostraram-se mais complexos e melhor elaborados do que aqueles escritos de maneira consciente, sob condições consideradas normais. 

Ainda mais intrigante, no entanto, foi o resultado das tomografias. Médiuns de ambos os grupos apresentaram, durante o processo de psicografia, atividades cerebrais notadamente menores do que aquelas apresentadas sob condições normais. Vale dizer que esse fato contraria significativamente a expectativa, afinal, se os textos redigidos sob transe mediúnico foram mais complexos do ponto de vista linguístico, era de se esperar a presença de maior atividade cerebral durante esses momentos. 

Outro fato verificado é que os indivíduos do grupo dos “menos experientes” apresentaram maior atividade cerebral nas regiões citadas do que o grupo dos “experts”, particularmente no hemisfério cerebelar esquerdo, hipocampo esquerdo, giro occipital inferior esquerdo, cíngulo anterior esquerdo, giro temporal superior direito e giro pré-central direito. Novamente, contratou-se o efeito contrário ao que seria esperado. 


Os resultados, representados no gráfico acima, demonstram a maior ativação de áreas ligadas a processos cognitivos que se dá no segundo grupo. É. possível, como lembram os pesquisadores, que essa maior atividade se dê como decorência do suposto maior esforço necessário aos indivíduos desse grupo para exercer sua função - é como se indivíduos menos experientes tivesses que “se esforçar mais” para exercer sua atividade. O cérebro dos “experts”, por sua vez, parece fazer um uso mais eficaz das regiões cerebrais, o que é condizente com achados anteriores e pode explicar parte dos sinais observados. 

Não obstante, como os próprios autores pontuam durante a discusão dos resultados, a redução significativa de atividade neuroencefálica, especialmente em áreas próprias ao planejameto de escrita, observada entre os médiuns experientes durante a psicografia, é consistente com a noção de escrita automática (inconsciente), assim como à alegação de que uma outra “fonte”, externa a si próprio, estava planejando o conteúdo a ser escrito. 

Além do mais, os resultados obtidos parecem incompatíveis com a idéia de que os médiuns do primeiro grupo estivessem fingindo, atuando ou utilizando quaisquer elementos de prestidigitação – explicações comumente utilizadas para negar veracidade ao fenômeno. Fosse esse o caso, circuitos neurais ligados à criação e planejamento seriam utilizados e apareceriam nos exames.   

Embora não conclusivo, o estudo dos médicos brasileiros sugere a importância da colaboração entre diferentes linhas de pesquisa para uma compreensão mais profunda dos processos de dissociação. 

Esforços como esse parecem indicar que explicações corriqueiras, usualmente reduzidas à patologia ou à simples enganação, não mais são suficientes para dar conta de uma realidade vasta, multifacetada e complexa como o é a consciência humana.

O artigo original dos pesquisadores brasileiros, publicado no periódico PLOS ONE, pode ser acessado em sua íntegra, em inglês, aqui. A jornalista Denise Paraná, pós-doutoranda em ciências humanas pela Universidade de Cambridge, acompanhou de perto as investigações e escreveu uma matéria para a Revista Época que pode ser acessada aqui

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